"Ando no rastro dos poetas, porém descalça... Quero sentir as sensações que eles deixam por ai"



domingo, 23 de agosto de 2015

O homem delira com as possibilidades de um protetor solar. Sonha ser abordado por uma desconhecida na praia. Ela deitada, sozinha e indefesa, com mínimas peças, implorando com voz rouca de tele-sexo:
– Por favor, não alcanço minhas costas, me ajuda?

Mas o mesmo garanhão não é capaz de atender ao pedido recém feito pela própria mulher. Não sustenta nenhuma fantasia com quem já dorme. Faz a contragosto, com desleixo e obrigação. Realmente envergonhado da tarefa diante dos amigos. Esfrega ao invés de passar. Como se o creme branco e cheiroso fosse um rosado e pegajoso caladryl.
– Calma, amor, senão me queimo.
– Queimado está meu filme.

Não serão os movimentos imaginados e circulares de esponja, mas gestos econômicos e rudes de lixa. Deseja se livrar da incômoda tarefa o quanto antes.

Macho acredita que seduz somente fora do casamento. Quando se fixa demoradamente numa jovem, quando pisca o olho a uma estranha, quando dá em cima de uma beldade, quando examina a bunda de uma gostosa. Confia que flertar e soltar indiretas são suficientes para garantir seu domínio territorial. Sua tese é parecer disponível em tempo integral, ainda que comprometido.

O conceito masculino é esquisito, feito de verdades parciais. Há sutilezas inacreditáveis em seu raciocínio. Não enxerga problema em pular a cerca desde que não visite a casa. Alega que não tem segundas intenções, mas troca sorrisos abobados com terceiras.

Suas desculpas mudam de acordo com o contexto.

Grande parte dos varões erra na arte da conquista. A falha é reforçar a caricatura, confundir ficha corrida com reputação, cair na cilada de provérbios populares como “fama de rico e comedor não se desmente”.

Carrego, portanto, a certeza de que o maior sedutor não é o malandro, não é o esperto, mas o monogâmico. O fiel. O que tem olhos apenas para sua a patroa.

Ele não pescará decotes mais profundos na vizinhança. Deslizará protetor em sua mulher, com calma oriental, comovido, o olfato sinceramente interessado. Acompanhará as mãos com o corpo. No fim, se aproximará dos ouvidos para sussurrar uma barbaridade. O arrepio feminino produzirá um maremoto de cangas nas proximidades.

Não precisa de mais nada para chamar atenção, toda a praia estará suspirando por ele. Criarão uma página no Facebook para homenageá-lo.

Nada mais ostensivo e perigoso do que um homem amando sua esposa.

Ninfetas, trintonas, lobas e septuagenárias vão se derreter por aquele barbado gentil e romântico. Vão concluir que ela é uma felizarda. Vão arrastar as pálpebras e tirar binóculos da bolsa para acompanhar detalhes de perto.

Diferente da piada, a fofoca nunca vem inteira, ocorre em capítulos:
– Meu Deus, ele puxa a cadeira.
– Repara como ele a acompanha nas caminhadas?
– Não desgruda um minuto da mão dela!
– Foi buscar água de coco. Não duvido que sirva café na cama.

A conclusão é que ele alcançou a glória, certo?

Não, ainda é uma decisão precipitada. O público feminino não se apaixona pelo homem, mas pela mulher do sujeito. Pretende estar em seu lugar. Ocupar sua posição. Desfrutar de igual admiração. O início do amor é sempre lésbico, depois é que pode ficar heterossexual.

Não custa avisar. Cuide de sua mulher antes que ela se interesse pela vida de outra esposa.


Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes que não sabes.

Jeremias 33:3

sábado, 22 de agosto de 2015


felicidade realista


De norte a sul, de leste a oeste, todo mundo quer ser feliz. Não é tarefa das mais fáceis. A princípio, bastaria ter saúde, dinheiro e amor, o que já é um pacote louvável, mas nossos desejos são ainda mais complexos.

Não basta que a gente esteja sem febre: queremos, além de saúde, ser magérrimos, sarados, irresistíveis. Dinheiro? Não basta termos para pagar o aluguel, a comida e o cinema: queremos a piscina olímpica, a bolsa Louis Vitton e uma temporada num spa cinco estrelas.

E quanto ao amor? Ah, o amor… não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim e não de outro jeito.

É o que dá ver tanta televisão. Simplesmente esquecemos de tentar ser felizes de uma forma mais realista. Por que só podemos ser felizes formando um par, e não como ímpares? Ter um parceiro constante não é sinônimo de felicidade, a não ser que seja a felicidade de estar correspondendo às expectativas da sociedade, mas isso é outro assunto. Você pode ser feliz solteiro, feliz com uns romances ocasionais, feliz com três parceiros, feliz sem nenhum. Não existe amor minúsculo, principalmente quando se trata de amor-próprio.

Dinheiro é uma benção. Quem tem, precisa aproveitá-lo, gastá-lo, usufruí-lo. Não perder tempo juntando, juntando, juntando. Apenas o suficiente para se sentir seguro, mas não aprisionado. E se a gente tem pouco, é com este pouco que vai tentar segurar a onda, buscando coisas que saiam de graça, como um pouco de humor, um pouco de fé e um pouco de criatividade.

Ser feliz de uma forma realista é fazer o possível e aceitar o improvável. Fazer exercícios sem almejar passarelas, trabalhar sem almejar o estrelato, amar sem almejar o eterno. 

Olhe para o relógio: hora de acordar. É importante pensar-se ao extremo, buscar lá dentro o que nos mobiliza, instiga e conduz, mas sem exigir-se desumanamente. A vida não é um game onde só quem testa seus limites é que leva o prêmio. Não sejamos vítimas ingênuas desta tal competitividade. Se a meta está alta demais, reduza-a. Se você não está de acordo com as regras, demita-se. Invente seu próprio jogo.


#complexodeatlas


“Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus bens”. 

Lucas 12:15

quarta-feira, 19 de agosto de 2015


Que os opostos se atraem, não tenho dúvida, mas compensa essa teimosia? Semanas atrás, conversei com uma mulher inteligente, divertida, com mais de 60 anos e três casamentos nas costas. Ela me disse que até hoje sente falta do primeiro marido, com quem tinha afinidades infinitas e viveu uma relação sólida e longeva. Lamenta ter abandonado esse casamento para sair atrás de aventuras, pois, segundo ela, não adianta querer inventar: Gambá gosta de gambá, elefante gosta de elefante, é assim que os pares funcionam.

Tenho visto muito gambá com coelho, gaivota com jacaré, urso com leopardo, e o resultado dessas parcerias é um misto de excitação com frustração. O diferente nos desafia, mas também nos cansa. É comum nos abrirmos para esse tipo de arranjo quando somos jovens e propensos a viver perigosamente, mas vamos combinar que, depois de tanta batalha para encontrar o amor ideal (supondo que ele exista), melhor encurtar o caminho e se contentar com o óbvio: girafa com girafa, morcego com morcego.

Acredito que alguém que gosta de ler pode se entender com aquele que não gosta, que quem acorda cedo pode se dar bem com quem dorme até o meio-dia, que quem é viciado em esportes pode se encantar por um sedentário – mas um desacordo por vez. Reunir todos esses antagonismos num único casal é provocar o destino. Não tem como ele sorrir para uma dupla de desajustados.

Eu já arranquei o adesivo “vive la diference” do vidro do meu carro. Agora quero seguir viagem com quem celebra as semelhanças.

Em se tratando de amigos, colegas, ídolos e outros que compõem o elenco das minhas relações, a diversidade de ideias e de gostos me atrai. Mas para dividir comigo o volante, intimamente, melhor evitar duelos. Que nós dois gostemos de estrada. Que nós dois gostemos de dormir à noite. 

Que nós dois gostemos de sexo. Que nós dois tenhamos uma visão aberta da vida, sem posar de donos da verdade. Que nós dois gostemos de música boa. Que nós dois gostemos de ir ao cinema. Que nós dois não precisemos de muito luxo para ser feliz. Que nós dois gostemos de conversar um com o outro. Que nós dois gostemos de praia. Que nós dois gostemos de natureza. 

Que nós dois gostemos de Londres. Que nós dois gostemos de rir. Que nós dois não sejamos preconceituosos. Que nós dois tenhamos consciência de que estamos aqui de passagem e que é preciso aproveitar esse instante. Que nós dois não sejamos carolas nem apegados à dor. Que nós dois sejamos cuidadosos um com o outro, amorosos um com o outro. Que nós dois sejamos honestos. Que nós dois saibamos fazer uso moderado das redes sociais. Que nós dois não sejamos reféns de grifes, mas tenhamos bom gosto. Que nós dois gostemos muito de vinho.

Gambá com gambá.


19/08 - dia do historiador


hoje é dia do ator


... quando tomar banho vira uma tragédia


A vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis responder a cada um.

Colossenses 4:6

domingo, 9 de agosto de 2015


Feliz dia dos pais para todos os pais, presentes ou não. Na terra ou no céu. E pra todas as mães (que fazem o papel de pais). 
Com vocês aprendemos o que é amor incondicional. 
Por vocês, nós somos!


“Cair sete vezes; levantar-se oito!”

Quem se nega a castigar seu filho não o ama; quem o ama não hesita em discipliná-lo.
Provérbios 13:24

sábado, 8 de agosto de 2015


o pai


(...)
Pois eu não tinha intenção alguma de escrever sobre o dia dos pais. Mas, de repente, passando os olhos num livro que uma amiga me enviou, encontrei a seguinte afirmação: “Tomar uma decisão de ter um filho é algo que irá mudar sua vida inteira de forma inexorável. Dali para frente, para sempre, o seu coração caminhará por caminhos fora do seu corpo.”
Aí as idéias puseram a se movimentar por conta própria. Pensei na minha condição de pai. É verdade: pai é alguém que, por causa de um filho, tem sua vida inteira mudada de forma inexorável. Isso não é verdadeiro do pai biológico. É fácil demais ser pai biológico. Pai biológico não precisa ter alma. Um pai biológico se faz num momento. Mas há um pai que é um ser da eternidade: aquele cujo coração caminha por caminhos fora do seu corpo. Pulsa, secretamente, no corpo do seu filho (muito embora o filho não saiba disto).

Lembrei-me dos meus sentimentos antigos de pai, diante dos meus filhos adormecidos. 

Veio-me à mente a imagem de um “ninho”. Bachelard, o pensador mais sensível que conheço, amava os ninhos e escreveu sobre eles. Imaginou que, “para o pássaro, o ninho é indiscutivelmente uma cálida e doce morada. É uma casa de vida: continua a envolver o pássaro que sai do ovo. Para este, o ninho é uma penugem externa antes que a pele nua encontre sua penugem corporal.” 

Era isso que eu queria ser. Eu queria ser ninho para os meus filhos pequenos. Queria que meu corpo fosse um ninho-penugem que os protegesse, um ninho que balança mansamente no galho de uma árvore ao ritmo de uma canção de ninar…

Que felicidade enche o coração de um pai quando o filho que ele tem no colo se abandona e adormece! 
Adormecida, a criança está dizendo: “tudo está bem; não é preciso ter medo”. Deitada adormecida nos braços-ninho do seu pai, ela aprende que o universo é um ninho! 
Não importa que não seja! Não importa que os ninhos estejam todos destinados ao abandono e ao esquecimento! A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias. O ninho é uma fantasia eterna. 
“O ninho leva-nos de volta à infância, a uma infância!” (Bachelard). 

É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de uma criança. É impossível calcular a importância desses momentos efêmeros na vida de um pai. O efêmero e o eterno abraçados num único momento! “Conter o infinito na palma da sua mão e a eternidade em uma hora”: o pai que tem o seu filho adormecido nos seus braços é um poeta! Essas palavras do poeta William Blake bem que poderiam ser suas. Um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma!

Mas logo o pequeno pássaro começará a ensaiar seus vôos incertos. Agora não serão mais os braços do pai, arredondados num abraço, que irão definir o espaço do ninho. Os braços do pai terão de se abrir para que o ninho fique maior. E serão os olhos do pai, no espaço que seus braços já não podem conter, que irão marcar os limites do ninho. A criança se sente segura se, de longe, ela vê que os olhos do seu pai a protegem. Olhos também são colos. Olhos também são ninhos. “Não tenha medo. Estou aqui! Estou vendo você”: é isso o que eles dizem, os olhos do pai.

O tempo passa. Os pássaros tímidos aprendem a voar sem medo. Já não necessitam do olhar tranquilizador do pai. É a adolescência. 
Ser pai de um adolescente nada tem a ver com ser pai de uma criança. Pobre do pai que continua a estender os braços para o filho adolescente, como na tela de Van Gogh! Seus braços ficarão vazios. Como se envergonharia um adolescente se seu pai fizesse isso, na presença dos seus companheiros! É o horror de que os pássaros companheiros de vôo o vejam como um pássaro que gosta de ninho! Adolescente não quer ninho. Adolescente quer asas. 

Os ninhos, agora, só servem como pontos de partida para vôos em todas as direções. Liberdade, voar, voar… A volta ao ninho é o momento que não se deseja. Porque a vida não está no ninho, está no vôo. Os ninhos se transformam em gaiolas. Se eles procuram os olhos dos pais não é para se certificar de que estão sendo vistos, mas para se certificar de que não estão sendo vistos! Aos pais só resta contemplar, impotentes, o vôo dos filhos, sabendo que eles mesmos não podem ir. Nos espaços por onde seus filhos voam os ninhos são proibidos. Mas eles terão de voltar ao ninho, mesmo contra a vontade. E o pai se tranquiliza e pode finalmente dormir ao ouvir, de madrugada, o barulho da chave na porta: “Ele voltou…”

Mas chega o momento quando os filhos partem para não mais voltar.
Através da minha janela vejo um ninho que rolinhas construíram nas folhas de uma palmeira. A pombinha está chocando seus ovos. Vejo sua cabecinha aparecendo fora do ninho. Mas numa outra folha da mesma palmeira há um outro ninho, abandonado. Esse é o destino dos ninhos, de todos os ninhos: o abandono.

Gibran Khalil Gibran escreveu, no seu livro O Profeta, um texto dedicado aos filhos. Não sei de cor suas precisas palavras. Mas vou tentar reconstruí-las. É aos pais que ele se dirige. “Vossos filhos não são vossos filhos. Vossos filhos são flechas. Vós sois o arco que dispara a flecha. Disparadas as flechas elas voam para longe do arco. E o arco fica só.”
Esse é o destino dos pais: a solidão. Não é solidão de abandono. E nem a solidão de ficar sozinho. É a solidão de ninho que não é mais ninho. E está certo. Os ninhos deixam de ser ninhos porque outros ninhos vão ser construídos. Os filhos partem para construir seus próprios ninhos e é a esses ninhos que eles deverão retornar.

Assim é na natureza. Assim é com os bichos. Deveria ser conosco também. Mas não é. 

Quem é pai tem o coração fora de lugar, coração que caminha, para sempre, por caminhos fora do seu próprio corpo. Caminha, clandestino, no corpo do filho. Dito pela Adélia: “Pior inferno é ver um filho sofrer sem poder ficar no lugar dele.” Dito pelo Vinícius, escrevendo ao filho: “Eu, muitas noites, me debrucei sobre o teu berço e verti sobre teu pequenino corpo adormecido as minhas mais indefesas lágrimas de amor, e pedi a todas as divindades que cravassem na minha carne as farpas feitas para a tua…”

Sei que é inevitável e bom que os filhos deixem de ser crianças e abandonem a proteção do ninho. Eu mesmo sempre os empurrei para fora.
Sei que é inevitável que eles voem em todas as direções como andorinhas adoidadas.
Sei que é inevitável que eles construam seus próprios ninhos e eu fique como o ninho abandonado no alto da palmeira…

Mas, o que eu queria, mesmo, era poder fazê-los de novo dormir no meu colo…


Cada um, porém, é tentado pela própria cobiça, sendo por esta arrastado e seduzido. Então a cobiça, tendo engravidado, dá à luz o pecado; e o pecado, após ter-se consumado, gera a morte. 

(Tiago 1:14-15) 

Não é a isca, mas a mordida

quinta-feira, 6 de agosto de 2015


Acredito que todos nós, antes mesmo de conhecermos melhor uma pessoa, fazemos ela passar por um filtro que, no fim, vai dizer como devemos tratá-la. Um pré-conceito hipócrita que todos temos, mas não admitimos. É real: todo mundo, de certa forma, acaba rotulando quem aparece no caminho. E há quem aprenda que isso é ruim e que as pessoas precisam de tempo para se mostrar como são. Entretanto, há quem prefira estereotipar e pronto.

Nenhuma outra visão será aceita.

O que acontece nesses casos é que deixamos passar muitas pessoas que poderiam contribuir e enriquecer o nosso viver de alguma forma. Gente que poderia se tornar um amigo – ou até um amor -, mas que são repelidas por conta da besteira de pensar que elas se dividem entre “pra casar”, “pra se divertir” ou “pra manter distância”. Sério, ao sermos simplistas não conseguimos entender que ninguém é tão simples assim.

Então por que será, eu fico me perguntando, que a gente insiste em fazer isso? O cara que era galinha quando solteiro nunca vai ser capaz de levar uma mulher à sério? A mulher que saiu e transou na primeira noite nunca será uma mulher para namorar e casar? Ah, quem dera fôssemos nós classificáveis. Seria quase como ir às compras. Cada pessoa com sua etiqueta referente até onde aquela relação poderia ir, o que poderia oferecer, quais erros poderia cometer. Cada qual com seu rótulo. Seria simples.

Mas simplista demais.
Não, obrigado.

feliz por nada


Geralmente, quando uma pessoa exclama Estou tão feliz!, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.

Digamos: feliz porque maio recém começou e temos longos oito meses para fazer de 2010 um ano memorável. Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou. Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama.

Esquece. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.

Feliz por nada, nada mesmo?

Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?

Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.

Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.

Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?

A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.

Ser feliz por nada talvez seja isso.

ops!!!



Sempre que eu penso em algo que gostaria de mudar em mim, lembro do poema da Clarice Lispector que fala sobre o perigo de cortar os próprios defeitos, pois não sabemos qual deles é que sustenta nosso edifício inteiro. 

Quando olho por esse lado, vejo que realmente a única forma de não sofrer um abalo profundo é buscando o equilíbrio. Coisa que as qualidades já não precisam mais “almejar”. 

Acho mesmo que os defeitos são os responsáveis pela nossa estrutura. Por garantir que nenhum tremor nos permita cair. Exceto o tal “cair em si”, mas este sim é o único tombo totalmente necessário.


Princesas nascem sabendo que – provavelmente – nunca precisarão se sustentar. Sorrisos e tchauzinhos lhe garantirão passagem. Revistas lhe darão as capas apenas por ela ser filha da rainha. Obviamente pessoas que nascem com essa patente têm a oportunidade de fazer coisas bem legais para o mundo. Têm o poder de influenciar e repassar valores de bem.
Acredito que nenhuma de vocês que está lendo esse texto é uma princesa. Poder ser aquela besteira de ‘princesa do papai’ ou da mamãe. É a forma de criação deles. Não tenho o direito de invalidar isso; meu único direito é pensar ao meu modo.

Na minha opinião já podemos dar um basta nessas histórias da Disney de príncipes que resgatam suas amadas de seqüestros armados por terríveis vilões. O vilão dos últimos anos é a falta de informação e de vontade de pensar, não a madrasta com o espelho falante. Fazer meninas acreditarem em príncipes encantados pode ser bonitinho no curto prazo, mas fará dela uma mulher que sempre procurará algo que não existe. Acredito que precisamos criar filhos para as verdades e prepará-los para as mentiras. O que tem por aí é homem com defeito, com problemas e algumas soluções, não com cavalo branco.

Minha filha terá o direito de amar incondicionalmente homens, mulheres; quem ela quiser. Ela terá o direito de fazer escolhas e será respeitada em cada uma delas. Conselhos do papai e da mamãe não faltarão. Na criação de novos seres humanos, quando se tratam de escolhas, não podemos confundir sugestão com ordem. Uma coisa é impedir o filho de ir para a balada naquela noite, outra coisa é impedi-lo de ser feliz escolhendo a profissão que ele quiser.

Em um futuro próximo, minha filha talvez não precise e nem queira que abram as portas do carro, ela irá preferir ver seus amores abrindo a mente e fazendo brinde à poesia.

Vale lembrar que ela também terá deveres. Deverá dar continuidade à proposta de respeito que temos repassado para ela. Deverá buscar uma forma de sustentar a sua futura casa e a alma. Dar carinho é diferente de dar ilusões de mundo perfeito. Fantasiar com histórias e estimular a mente de uma criança é diferente de fazê-la acreditar que Barbie é um estilo de vida. Barbie é boneca, vida é tapa na cara.

| Fábio Chap |

Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! 
Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. 

Tiago 4:14

quarta-feira, 5 de agosto de 2015


amores ideais



No filme A Garota Ideal, de 2007, o ator Ryan Gosling vive um cara tímido e introspectivo que compra uma boneca inflável, dá a ela o nome de Bianca e começa a tratá-la como a uma namorada de verdade. Cega, surda e muda, mas com um corpo, ele a leva para passear e a apresenta aos colegas, deixando todos perplexos com esse delírio.

Em determinada cena, uma vizinha, entrando no jogo do rapaz, presenteia a “namorada” dele com flores de plástico, deixando-o comovido: as flores durariam para sempre, como Bianca. Em sua cabeça, ele havia conquistado uma relação eterna, à prova de realidade. 

Corta para o excelente Ela, de 2013, com Joaquin Phoenix vivendo um recém-divorciado que, solitário e carente, se apaixona pela voz de um sistema operacional – outro absurdo, mas é isso mesmo que acontece: ele fala com um smartphone através de um serviço de inteligência artificial que faz parecer que há, de fato, uma pessoa real batendo papo com o cara. 

Dessa vez, não há um corpo, mas há uma voz feminina que pergunta, responde, conversa, faz declarações de amor, discute a relação, faz sexo por telefone, dá toda a pinta de que é humana – só que é outra “garota ideal” que não existe. 

Em ambos os filmes, os protagonistas tratam as suplentes como gente: um leva a boneca para as refeições à mesa com a família, o outro leva o aparelho tagarela para um piquenique com um casal de amigos. A diferença entre os filmes é que, no primeiro, todos ao redor estão conscientes de que aquela maluquice é um caso isolado. Já em Ela, a situação é considerada normal, corriqueira até. Não duvide: em muito pouco tempo, estaremos namorando smartphones e quiçá casando com eles. 

Se, no primeiro filme, o protagonista é um desajustado, no segundo é um homem sensível, romântico, que está apenas atravessando uma fossa e encontra na tecnologia uma forma aparentemente menos sofrida de se relacionar. Porém, havendo idealização, sempre haverá a dor da perda – mesmo entre um homem e uma máquina. A única forma de manter uma relação sem brigas, ciúmes e desencantos é não se envolvendo emocionalmente. Ou seja: quem almeja um romance perfeito, que abrace de vez a solidão, a única candidata à altura do projeto. 

Parece ficção científica, mas o relacionamento entre pessoas reais e virtuais, que já acontece, não demora será convencional. Esse futuro está logo ali, dobrando a esquina. O artificial e o verdadeiro estão cada vez mais próximos e parecidos. Enquanto isso, o melhor é continuarmos nos virando com amores onde há cheiro, toque, pele, e que brotam e murcham, dois processos naturais da vida orgânica. Ao menos, poderemos guardar deles a lembrança das mãos que acariciaram nossos cabelos e dos beijos de boa noite. 

O dia que um smartphone também fizer isso, eu caso.

rupturas


E, no meio de tantas mudanças, muitas rupturas. Algumas coisas foram encaminhadas pro novo destino, outras se perderam irremediavelmente. O que sobrou posso contar nos dedos, antes eu mal conseguia fechar as gavetas - tão abarrotadas de coisas, pessoas, lembranças. Mas o que houve afinal, além de um processo íntimo, pessoal, intransferível? Uma mudança externa também, porque há sempre um desconforto em quem se acostuma com o nosso comportamento mais antigo. E além de lidar com o luto da morte do que éramos, ainda o estranhamento dos que não aceitam o que nos tornamos. Porque mudam os gostos, a disposição e os planos. E alguns reagem como se você os tivesse abandonado no meio de uma viagem a dois por outro continente, quando só você sabia falar a língua local mesmo que os impedisse de aprender o idioma.

E, no meio de tantas mudanças, algumas desavenças. Só porque aqueles mesmos não entendem, não entendem, não entendem, porque não querem aceitar, que tudo é tão dinâmico e que nem deve ter sido tão brusca essa mudança, mas que a coisa maturou durante um tempo em que só queriam que você se envolvesse numa história DELES, que se misturasse nas emoções DELES, que traduzisse o mais íntimo DELES. E, ao mesmo tempo, você estava amadurecendo uma mudança sua e a coisa toda doía, doía. Mas eles não perceberam. Porque a demanda sobre a vaidade deles era grande demais, importante demais, imprescindível demais pra sua poesia.

E, de repente, a minha poesia não queria falar mais sobre nada disso. Minha poesia queria ser uma carta anônima, um silêncio, uma brincadeira. Minha poesia não queria ser nada além de uma frase jogada do mais íntimo de uma iluminação sobre um determinado assunto.

Porque, no final das contas, o que escrevo nem é poesia… é prosa, é carta, é desabafo, é qualquer coisa. É um bilhete manuscrito pregado no espelho só pra desejar “Bom Dia”!


Feliz é o homem que persevera na provação, porque depois de aprovado receberá a coroa da vida que Deus prometeu aos que o amam 

(Tiago 1:12)

terça-feira, 4 de agosto de 2015



Sou experiente. Hoje, erro melhor.

monstro


Psiu! Não faça barulho. Ele pode acordar.

Ele vive no escuro, onde a luz não venceu a escuridão. Mija no breu. Como um animal, ele marca território nas sombras do meu coração.

Se alimenta de carinho. Rumina afeto. Regurgita indiferença. Ele saboreia o azedo da bílis com a qual enxágua a boca e molha seus beijos de adeus.

Quando faz frio, esquenta a pele áspera com os retalhos dos sonhos que espantou no meio da noite. Acredita no troco. E goza com a dor fazendo morada, agora, no outro.

Cheira à carniça dos sentimentos que matou sufocados. E sua o pus daqueles que sentiu prazer em ter machucado.

Ele é o porquê tanto temo minha verdade. É um monstro. Intrínseco. Congênito. De mim, indissociável.

___João Célio

Eu podia ser mais magra, ter uma boca maior, e muito menos rugas.
Mas tenho cuidado mais da minha musculatura emocional do que da outra.
E ando bem cansada dessa gente que se gaba só disso.
Gosto quando vejo em alguém que uma camada se levanta.
Depois outra. E mais uma. Cada qual mais bonita, mais misteriosa.
Gosto do corpo possível, da fragrância que vem da alma, do prazer das simplicidades.
Bonito é ser a gente.
É a comunhão do visível e do invisível.
Bonito, pra mim, é isso...
e a liberdade de viver assim é boa demais para se renunciar.


| Solange Maia |


A tua benignidade, Senhor, chega até os céus, até as nuvens, a tua fidelidade... 
Como é preciosa, ó Deus, a tua benignidade!...

Salmo 36:5,9

sábado, 1 de agosto de 2015

 Haverá mãe que possa esquecer seu bebê que ainda mama e não ter compaixão do filho que gerou?
Embora ela possa esquecê-lo, eu não me esquecerei de você

__Isaías 49:15

Hoje é o dia mundial da amamentação 
e começa a semana mundial do aleitamento materno.

Quem já deu de mamar sabe a dor e a delícia que é...


quem sabe, nem o domingo

#repeteco: que seja a gosto de Deus!


Agosto, “mês de ventos fortes”. Em torno dele se formaram muitas superstições, de tal sorte que, o oitavo mês do ano, é hoje rodeado de muito folclore. 
Muitas coisas importantes aconteceram neste mês do imperador Augusto: o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica; o suicídio de Getúlio; a morte de Juscelino; a renúncia de Jânio; a renúncia de Nixon à presidência dos Estados Unidos, o infarto de Neckyr.
Seja como for, se você é desses (ou dessas) que vive injuriando este mês, segue uma crônica de Caio Fernando Abreu, com algumas sugestões para atravessar agosto.


Ela já foi publicada aqui e aqui, mas vale a pela ler de novo.
 
Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro — e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data.

Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos, de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzsche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem: qualquer problema, real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.

Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos — ou precauções — úteis a todos. O mais difícil: evitar a cara de Dilma Rousseff em foto ou vídeo, sobretudo se estiver “saudando a mandioca” ou discursando sobre “metas que não existem e que serão dobradas. Esquecê-la tão completamente quanto possível (santo zap!): Dilma, a  “mulher-sapiens agrava agosto*, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.

Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu — sem o menor pudor, invente um. Pode ser Natália Lage, Antônio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o seu dentista. Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún, ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à luz da lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.

Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se ou lamuriar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques — tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informação para que as desgraças sociais ou pessoais não deem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire, a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas — coisas assim são eficientíssimas, pouco me importa ser acusado de alienação. É isso mesmo; evasão, escapismos. Assumidos, explícitos.

Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco.


*modificado
Texto original:
O mais difícil: evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile à fantasia, categoria originalidade… 
FHC agrava agosto...